Instituto vê racismo em mais uma obra de Monteiro Lobato
RIO - Ficou para o Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão sobre o uso do livro de Monteiro Lobato “Caçadas de Pedrinho” nas escolas públicas. O debate acerca do tema, realizado nesta terça-feira (25), na sede do Ministério da Educação (MEC), em Brasília, terminou sem consenso entre as partes. No mesmo dia, o Instituto de Advocacia Racial (Iara) enviou uma representação à Controladoria Geral da União contra outra obra do autor. Segundo a ação, o livro "Negrinha", adquirido em 2009 pelo Programa Nacional da Biblioteca (PNBE), do MEC, reforça o discurso racista de Lobato.
Durante a reunião, discutiu-se o mandado de segurança do Iara e do pesquisador de gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto. Eles são são contra o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), que liberou distribuição da publicação nos colégios. O MEC defendeu que uma nota explicativa nas edições futuras seria suficiente para contextualizar a obra. Já os membros querem interromper a distribuição do livro nas escolas.
- Não diminuímos 1 milímetro sequer do pedido inicial. As políticas públicas não estão de acordo com a realidade. Achamos que estão sendo feitas, mas é muito pouco - disse o advogado do Iara, Humberto Adami, que está disposto a acionar cortes internacionais. - O negro não pode ser visto como eterno escravizado. Vamos buscar a Organização dos Estados Iberoamericanos (OEA) no caso de não conseguirmos resolver no Poder Judiciário brasileiro essa questão.
As informações da reunião serão encaminhadas ao ministro Luiz Fux, do Supremo, que propôs o debate desta terça-feira e também deverá decidir sobre o tema.
Outro livro questionado
Para muitos estudiosos da obra de Monteiro Lobato, o conto "Negrinha", publicado em livro do mesmo nome no ano de 1920, é uma denúncia do autor contra as desigualdades entre negros e brancos. Mas o Iara vê na obra traços de racismo. Na representação, o instituto afirma que "o texto demonstra que a prática de lesões físicas contra os negros (escravizados) além de costumeiro, não trazia qualquer constrangimento" e que "o objetivo do conto não é denunciar o racismo, ou mesmo desconstruí-lo, trata-se da realidade que o autor e a sociedade da época tem para com relação ao negro"
A seguir, um trecho de "Negrinha"
"Damião olhou para a pequena: (Lucrecia) era uma negrinha, magricela, um frangalho de nada, com uma cicatriz na testa e uma queimadura na mão esquerda. Contava onze anos."
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. [...] Assim cresceu Negrinha - magra, atrofiada [...] O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões."
Relembre a polêmica de "Caçadas de Pedrinho"
Publicado em 1933, "Caçadas de Pedrinho" relata uma aventura da turma do Sítio do Picapau Amarelo à procura de uma onça-pintada. Entre os trechos que justificariam a conclusão de racismo estão alguns em que Tia Nastácia é chamada de negra. Outra parte diz: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão".
Em 2010, o CNE chegou a determinar que “Caçadas de Pedrinho” não fosse mais adotado, mas voltou atrás depois de o MEC pedir ao conselho que reconsiderasse a decisão. O CNE indicou, então, que as novas edições da obra apresentassem uma nota técnica que instruísse o professor a explicar o livro no contexto histórico em que foi escrito. A posição do governo é contrária à censura ou suspensão do livro.
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