quinta-feira, 19 de julho de 2012

SOLO DE JURITI


Francisco de Sales Felipe, advogado 

O ninho é a lembrança que vai com os pássaros no seu voo para, um dia, os trazer de volta. Talvez seja a dimensão de refúgio existente nos gravetos dispostos um a um, concebidos com a afeição de quem sabe que ali as plumas irão compor toda a meiguice de um abrigo, onde o amor pede ao tempo para não passar, e o campo roga às suas flores todo o perfume, que impulsione, pela saudade, as asas no seu retorno feliz.
Todos nós carregamos nossos ninhos. Desfazê-los é negar a memória do passado.
A saudade veio me buscar para ir a uma antiga catingueira encravada no que restou de caatinga no meu Desterro. Quis conferir se o ninho da juriti estava, ou não, vazio. Segui o curso de um riacho cujas areias falavam de uma orfandade de água.  Aqui e acolá, meus pés no areal procuravam minha infância. E ela se foi nas queimadas de xiquexique. Ou, talvez, ainda, esteja à sombra de uma velha oiticica esperando a hora para seu último banho de açude.
Mais ao longe, quando o riacho se arqueia num respeito à centenária catingueira, os meus olhos alcançam, sem qualquer esforço, aquele ninho no galho daquela árvore sem flor e de poucas folhas.
Catingueira sem florada é sinal de seca malvada no meu sertão.
Se a ausência da flor naquela árvore era prova concludente de que a chuva não viria, o querer ir além para conferir aquele ninho era mais um ato de um nostálgico compulsivo do que a conduta de um sertanejo assuntando o tempo antes de fazer o corte na terra onde o milho crescerá, ou ficará na desilusão da cova queimada pela seca.
O ninho fora abandonado. E seus gravetos choravam a sua solidão e a nudez daqueles galhos. A juriti negou ao ninho o seu apego. E a chuva, à catingueira a certeza de flores.
Agora, no caminho de volta, uma sombra me acompanha. A catingueira – que tantas vezes vi florir – ressentia-se do açoite do tempo. E meus passos, num contratempo de quem não quer chegar ao destino, preludiam um tempo menos apressado.
Ninguém pode ir ao passado sem que traga no bornal essas marcas do tempo. Comigo, um sentido de ausência. Naquele galho, o ninho sequer guardara as penas do ano que passou quando as carícias anunciavam o amor daquele tempo.
Era quase fim de tarde quando avistei os primeiros galhos da atalaia da casa grande do Desterro – uma oiticica de sombra farta. Tomei-me de emoção não só por ter chegado ao destino, trazendo comigo sobras de um tempo que passou, mas também por, novamente, poder descansar à sombra daquele templo onde deixara os gritos de alegria da minha infância.
O silêncio tomava conta do fim do dia. O riacho se acalmava com seu destino de areia. O ninho – essa lembrança que acompanha o voo solitário – estava vazio. E a sombra – que arremessa as nossas divagações – se misturava ao ocaso.
Subitamente, o silêncio é interrompido. É uma juriti desacompanhada que leva pra longe aquela sombra. Naquele ano, o meu sertão e o sertão dos sertanejos não viram a chuva.
(Ao nonagenário do patriarca Vicente Severiano, antigo tropeiro do sertão do Seridó).

Um comentário:

  1. parece que estou vendo um filme,
    quando criança na terra mãe santa cruz.
    belo texto francisco, parabens.
    tarcisio ataide

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