quarta-feira, 16 de maio de 2012

SECA NO RN

As lições do atropelo
 FRANÇOIS SILVESTRE Escritor

Seria melhor sem lição. Um bom inverno, com nuvens prenhas, chão molhado, feijão enramando, milho bonecando, gado gordo, ancoreta de férias, armazém de barro batido varrido de piaçava, jerimum maduro, melancia fofa, preás atravessando a estrada, açudes vomitando água pela sangria, barulho de água na telha tecendo a madrugada, cheiro de barro úmido, curimatãs desovando, jitirana florada, marmeleiro cheirando, mororós virando estaca, sabiás cantando dobrado, mané-de-barro com porta da casa para o poente, catolés caindo de amarelos, juás crescendo, ingás inchando, cuscuz de milho novo, véspera de canjica e pamonha. 

Com inverno, assim descrito, nem dava para descobrir as farsas institucionais. Lembram da história das adutoras? Um governo de oito anos declarou que era o pai das águas e que não haveria mais carros pipas. Era tanta adutora que cercava o Estado num tecer de canos e água jorrando. 

Depois veio outro governo de oito anos e declarou que fizera mais adutoras do que o antecessor. Não havia mais lugar pra botar cano. 

Tudo muito bom se não fosse fantasia. A seca deste ano desmoraliza a propaganda feita. Os jumentos guarnecidos de ancoretas voltaram às veredas do sertão. Os carros pipas começam a oferecer serviço. Os viciados na moleza da “emergência” iniciam a listagem, contando com uma graninha extra. O atropelo expõe a lição. Melhor não aprender. 

Bem melhor seria não descobrir que o socialismo da esmola tem desfibrado ainda mais o já esgarçado tecido social do sertão, cantado e decantado como terra de honra e dignidade. Honra e dignidade entrando pelos canos de onde não saem as águas. E tudo se resolve ou se pretende resolver com o dinheiro derramado na compra de votos. 

Ética de miçanga. Fiscais cegos de luz. A reforma agrária? Veja como foi feita: o INCRA comprou terras a preço de ouro, de fazendas falidas, distribuiu entre posseiros, de forma descriteriosa. Os “fazendeiros” foram embora pra cidade. Muitos dos assentamentos são redutos de negócios escusos. E onde não há fiscalização, os assentados negociam os lotes.

Houve casos de ocupação de terras estimulada pelos proprietários, que simulavam reintegração de posse de faz de conta. Porque o preço de mercado não atingia metade do que pagava o INCRA. Não houve reforma agrária, houve especulação fundiária. O quilo do feijão de corda igual ao preço do quilo da carne de primeira. Onde anda o programa governamental de estoque de sementes? Os tempos são outros, mas a seca escancara o descaramento dos tempos novos. Onde anda o polo irrigado do Apodi, que daria para alimentar o Estado e exportar a sobra? Só o inverno conseguia camuflar essa realidade. A falta dele tira a roupa do rei. 
Té mais.

Um comentário:

  1. Muio bom, completa justamente o que eu quero expressar, já que sou apenas mais um que já viveu os dois lados dessa moeda, tanto a sêca como as enchentes. portanto, tudo isso é de conhecimento (Deles)mais não fazem nada. E agora? até quando senhores?

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